sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Clã que se diz dono de Jericoacoara foi condenado por fraude milionária em banco cearense


No mês passado, o Conselho Comunitário de Jericoacoara realizou uma série de protestos contra um acordo que vinha sendo costurado entre a Procuradoria Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) e a empresária Iracema Correia São Tiago. As negociações buscavam indenizar Iracema e seus herdeiros para que abrissem mão de parte de um imóvel rural cuja matrícula se sobrepõe a 83% da Vila de Jericoacoara, um dos destinos turísticos mais procurados do país. Em troca, ela receberia 19 lotes desocupados na vila, localizada a 16 km da sede do município de Jijoca de Jericoacoara.

O caso ganhou projeção nacional, sendo destaque na edição de 26 de outubro do Fantástico, da TV Globo. Com a repercussão, o procurador-chefe da Procuradoria do Patrimônio e Meio Ambiente (Propama), Marcus Claudius Saboia Rattacaso, suspendeu o acordo. Segundo a decisão, de 29 de outubro, foram identificadas inconsistências na matrícula da Fazenda Junco I. Segundo o Ministério Público do Ceará (MPCE), houve um aumento de 483,45 hectares no tamanho da propriedade, lavrado em cartório em dezembro de 2007 — cinco anos depois da criação do Parque Nacional de Jericoacoara, de proteção integral.

Em vídeo publicado no último dia 7 no YouTube, pelo Canal De Olho nos Ruralistas aborda o histórico da família do ex-marido de Iracema, José Maria de Morais Machado, diretor do Bancesa, banco liquidado pelo Banco Central em 1995 após uma série de fraudes contra a União. Adquirido pelo banqueiro em 1983, o imóvel foi transferido para o nome de Iracema na mesma semana em que a Justiça confirmou a falência do Bancesa, em agosto de 2003. O congelamento dos bens dos diretores havia sido decretado seis meses antes, em fevereiro.

A reportagem também teve acesso a processos judiciais em que pequenos agricultores alegam terem sido vítimas de intimidações promovidas pela família, que derrubou cercas a fim de expulsar posseiros e consolidar o domínio territorial na costa cearense.

O caso de Jericoacoara marca a estreia de uma nova editoria audiovisual deste observatório: De Olho no Litoral explora a fome de empresários — do agronegócio, da energia, do setor imobiliário — pelas praias brasileiras. Quem são esses senhores? Como eles dobram o Estado sob o peso do capital? Do outro lado, a resistência de pescadores, marisqueiras, indígenas e quilombolas para defender seus territórios e proteger nossos ecossistemas marítimos.

Confira o primeiro episódio:


O banco da família Machado foi liquidado pelo Banco Central em 1995, após uma investigação constatar que seus executivos burlaram o repasse de tributos federais e contribuições previdenciárias ao Tesouro Nacional. Os diretores foram denunciados por apropriação indébita, e José Maria foi condenado em 2004 pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5)  a oito anos de prisão em regime semi-aberto. Ele faleceu quatro anos depois, em 2008.

Os recursos desviados pelo banco entre 1994 e 1995 somavam R$ 134 milhões. Corrigido para os dias atuais, o valor equivale a R$ 1,45 bilhão, conforme dados do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Apesar dos pagamentos realizados pela massa falida do banco, o Bancesa ainda aparece na lista dos mil maiores devedores da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), na categoria de pessoa jurídica. Segundo a última atualização, os débitos inscritos na Dívida Ativa da União somam R$ 429 milhões. Em 2017, eram de R$ 1,4 bilhão.

O processo corre até hoje na Justiça Federal no Ceará. Em 2023, após uma tentativa de saque de R$ 20 milhões da conta bancária da massa falida, o juiz George Marmelstein Lima determinou um novo bloqueio, de R$ 286 milhões.

A reportagem procurou os representantes da família, que responderam através de sua assessoria de imprensa. A nota afirma não haver relação entre Iracema São Tiago e a situação do Bancesa na época em que a Fazenda Junco I foi transferida. “A sra. Iracema e José Maria foram casados por 25 anos e se separaram de fato desde 1989”, diz o texto. “Em 1995, o divórcio foi homologado na justiça e a partilha de bens foi oficializada”.

Com informações do De Olho nos Ruralistas

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