O cenário paradisíaco em uma das mais famosas praias do Ceará é o destino de centenas de falecidos há mais de 130 anos. Contudo, faz décadas que o Cemitério de São Serafim, em Icaraí de Amontada, é ameaçado pelo avanço do mar e pode ter seus túmulos levados pela força das ondas.
A origem do Cemitério, também chamado de Pedras Compridas, remonta a 1888, quando o cadáver de um homem desconhecido, dentro de um saco, encalhou na areia. Os moradores da localidade decidiram sepultá-lo ali perto, iniciando o uso do espaço para essa finalidade.
Segundo Jairo Alves, historiador e professor da rede municipal de ensino de Amontada, até então, quem morresse em Icaraizinho era transportado em redes de armar até o cemitério da localidade de Patos, a alguns quilômetros do São Serafim. Conta a tradição da comunidade que um morador “sonhou que o nome deste senhor era Serafim”. “Daí em diante, as pessoas começaram a fazer promessas e votos e a enterrar seus entes queridos lá”, afirma Jairo.
Engana-se quem pensa que o local era destino apenas para pessoas mais pobres, conforme o professor. Desde a fundação, ele recebeu “todas as classes sociais”, mas a maioria dentro de redes. “Até onde eu sei, meu avô João Pedro foi o primeiro a ser sepultado em um caixão de madeira, feito em casa, há uns 40 anos”, pondera.
O historiador faz questão de dizer que, 134 anos após o primeiro sepultamento, e mesmo com o avanço do mar, o Cemitério continua “na ativa”, recebendo novos moradores.
Ponto turístico incluído nas rotas de passeios da região, o São Serafim é ainda mais procurado no Dia de Finados, quando afluem parentes de Amontada e de cidades vizinhas como Itapipoca e Itarema. Oficialmente, não há controle das sepulturas nem contagem de quantas pessoas foram enterradas ali. Até porque muitos corpos se sobrepõem a outros, depois que os primeiros são cobertos pela areia das dunas móveis.
Além disso, segundo Jairo, o local é ponto de devoção a São Serafim, a quem também se atribuem milagres. “Para nós, é um lugar santo porque é para onde as pessoas levam suas promessas, ex-votos, para pagar seus pedidos”, relata.
Apesar de toda a movimentação do local, conhecido nacionalmente, ele não recebe investimentos do poder público ou de empresas privadas com interesse em sua preservação - uma demanda histórica, de acordo com o professor.
Há pelo menos 30 anos, conforme o Diário do Nordeste mostrou em reportagem de 2014, lideranças comunitárias de Amontada buscam junto ao poder público recursos para impedir o avanço do mar, que aumenta a cada ano.
A praia de Icaraí de Amontada apresenta um caráter predominantemente erosivo, com suas taxas máximas de erosão chegando a, aproximadamente, - 2,50 m/ ano. Esses valores, ainda que aparentemente baixos, já ocasionam problemas relativos à erosão de edificações próximas à linha de costa.
"Temos algumas preocupações. Há o pensamento de fazer uma proteção na frente do cemitério, com volume grande de pedras, porque os sacos sumiram. É um esforço significativo para protegê-lo porque a rota dos passeios das dunas passa lá em frente. É o cemitério de frente para o mar, uma vista maravilhosa", afirma. No entanto, o secretário explica ser difícil prever os próximos impactos devido às mudanças na dinâmica costeira do Ceará, após a construção de portos, e aos reflexos do aquecimento global.
Sem perspectivas de mudança, a crença no divino se torna mais forte. Jairo Alves, também voluntário na Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, compartilha da crença popular da localidade de que o cemitério “não foi criado pelos humanos, mas pelo divino”.
“O mar há muito tempo vem quebrando no túmulo de São Serafim, mas nunca consegue ultrapassar. De lá, a onda volta”, aponta. O secretário Roberto Cariri completa: "é bem cultural e histórico, e um pouco de lenda, mas segundo os mais velhos, o mar respeita o cemitério".
O Acaraú / Diário do Nordeste
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