quarta-feira, 12 de junho de 2013

TARTARUGAS MARINHAS: Conservação pelo Tamar esbarra em pobreza, consumo e impunidade

Itarema. Antes de ser um crime, o abate de tartaruga começou pela própria necessidade dos povos da zona costeira de alimentarem-se do que oferece o mar. Mas, há duas décadas, ações de conscientização chegaram, pelo Projeto Tartaruga Marinha (Tamar). Com ele, além de não mais dependerem da carne de tartaruga, as famílias de pescadores auxiliam na educação e no combate ao consumo ilegal. Mas não é assim em todas elas.

"Pegar um bicho desse é como pegar cinco vezes mais peixe do que a gente pega", afirma Jerrivaldo Ferreira, na praia Mulheres de Areia, em Itarema, reduto de turistas estrangeiros. Ele afirma nunca ter capturado tartaruga: "matar um animal desse é quase como se fosse gente. Dá dó". Mas deixa a reflexão: "uma pessoa que tem a consciência (aponta para a cabeça), vai tirar o bicho da rede (de pesca) e devolver pro mar. Mas o que é consciência pra quem tem um monte de filho pra criar e, quando chega no mar, mal consegue peixe? O que é?". Essa dualidade pesca-sobrevivência é também colocada na pesca ilegal da lagosta.

A captura com manzuá, único equipamento permitido pela legislação, é até 20 vezes menor do que a pesca com marambaia e caçoeira. Essa prática é responsável não só pela degradação dos nichos ecológicos no mar, como da própria queda no nascimento de lagostas, conforme levantamento do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Mas há outra realidade: mesmo com um potencial de pesca até 20 vezes maior, não muda muito a renda de um pescador clandestino em relação ao pescador artesanal (legal). A aparente produtividade chega na forma de ilusão, nas mãos e nos bolsos dos "cafanguistas", como são chamados os que fazem a pesca clandestina de lagosta, uma corruptela de escafandrista, ou seja, o mergulhador que usa o escafandro (roupa de mergulho). O lucro maior fica das mãos do atravessador em diante. O mesmo acontece com o comércio de tartaruga marinhas, "e quem tem muita responsabilidade é o consumidor. Quando não é da cidade, é de fora, que faz encomenda, vem de Fortaleza em busca de comida exótica", comenta Eduardo Lima, coordenador do Tamar no Ceará.

A coordenação nacional do Tamar reconhece as dificuldades de reverter o abate de tartarugas no Ceará. "O trabalho de Educação Ambiental e de inclusão social funcionou via de regra para todas as outras bases do Tamar. Mas, desde que nós começamos, nos anos 80, o Ceará sempre teve uma característica diferente, que reside no hábito mais arraigado do consumo", explica Neca Marcovalti, coordenadora nacional de Pesquisa e Conservação da Fundação Pro-Tamar, com sede na Bahia.

"A peculiaridade do Ceará é que não é área de reprodução, mas de alimentação, onde muitas já são vistas adultas. Vale esclarecer que, nos anos 60, a tartaruga-verde era a única, dentre as cinco que ocorrem no Brasil, em que era permitido o consumo. As pessoas diziam ´eu não como tartaruga, como aruanã´", explica César Coelho, coordenador nacional do Tamar. Ele acrescenta que o ICMbio só tem poder de fiscalização dentro de Unidades de Conservação (UCs).