A compra da carne é feita por encomenda e os atravessadores entregam o material de porta em porta
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A Aruanã, ou tartaruga-verde, é a que tem a carne mais cobiçada Fotos: Projeto Tamar |
Itarema. O mar é grande e fica difícil identificar quem está fazendo a captura das tartarugas. Isso porque a atividade criminosa está geralmente associada a outras que são legais, como é o caso da captura de peixes e lagostas. A identificação se torna mais difícil mesmo porque a fiscalização é precária e a procura, da própria sociedade, pela carne de tartaruga é relativamente alta. Ou seja, na outra ponta do extermínio está o consumo a financiá-lo.
Distante da zona urbana e de difícil acesso, a praia de Patos, em Itarema, tem um dos comércios mais incrementados da aruanã (tartaruga-verde). O pescador Ricardo (nome fictício) é o maior responsável pelos abates naquela praia. Ele tem uma barraca de praia e, enquanto no seu freezer tem peixe, a carne da tartaruga é mantida congelada na casa de uma vizinha. É só um dentre vários preparativos para uma possível fiscalização.
"Delivery"
A carne é encomendada por dois atravessadores de Itarema, de onde segue para entrega, de porta em porta, aos compradores. Dossiê realizado pelo Projeto Tamar revela que empresários e funcionários públicos estão entre os compradores da carne proibida. O gosto pela comida exótica coloca em situação mais complicada as espécies que já estão em risco de extinção no mundo.
Paga-se bem: R$ 30 reais o quilo da carne da tartaruga marinha. O mesmo quilo de peixe-espada, comum no Litoral Oeste, chega a R$ 2,50. E foi o que pagamos, enquanto Marcelo (nome fictício), vendedor em Acaraú, admitia o comércio ali mesmo, do lado de fora do Mercado Central de Acaraú. Para mim, que não me apresente como repórter, ele afirmou não ter e, "no momento", não saber quem tinha o "boi do mar".
Na praia de Patos existe um abatedouro improvisado, na entrada do Mangue das Sete Chaves. Outro é no próprio morro da praia. Lá, periodicamente, são encontradas carapaças das aruanãs e restos de suas vísceras. Mais um cemitério de tartarugas pode ser encontrado próximo à casa de "Ricardo", reconhecido praticante desse crime ambiental naquela praia.
Se essa é a situação na areia da praia, o problema, mar a dentro, é quase invisível. Os abates nos próprios barcos praticamente não deixam rastros. Presas na rede caçoeira, equipamento ilegal armado no fundo do mar para pesca da lagosta, as tartarugas morrem asfixiadas. Já nos currais de pesca em alto mar, herança indígena de uso permitido pela legislação ambiental, quando os quelônios são apreendidos, os próprios pescadores devolvem o animal para o mar aberto.
Aruaneira
Rede específica para a captura de tartarugas, a aruaneira (nome que vem de aruanã, a tartaruga verde) ainda é encontrada na plataforma continental, em frente às cidades de Aracaú e Itarema. Não tanto quanto nos anos 60, quando havia um abate público e sistemático das tartarugas marinhas.
Todas as espécies de tartarugas marinhas existentes no mundo estão na lista de risco de extinção. Cinco delas são encontradas no mar do Ceará. A tartaruga-verde é a preferida e, portanto, a mais afetada. A estimativa do Projeto Tamar é de 200 quilos comercializados por semana, podendo chegar a 400 o número de aruanãs mortas para o consumo ilegal todos os anos.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é o responsável pela fiscalização, mas o próprio órgão admite a dificuldade de monitorar a pesca ilegal de peixe e, especialmente, lagosta, motivo de conflitos sangrentos entre pescadores artesanais e clandestinos no litoral cearense. Quando não é com um barco é com nenhum que o Ibama tem como fiscalizar a pesca em alto-mar pelos 576 quilômetros da costa cearense.
"Nós recebemos denúncias, mas, geralmente, quando já tem acontecido o crime, por isso se torna mais difícil. Não temos um fiscal permanente naquela área. Quando somos acionados pelo Tamar, a gente manda fiscalização, mas não temos tido sucesso nas incursões", afirma Rolfran Cacho Ribeiro, chefe de fiscalização do Ibama.
Além da falta de estrutura, o órgão tem, na sua rotina, outro desafio priorizado: o combate à pesca ilegal da lagosta. Com o fim do período do defeso, em que essa pesca é proibida para reprodução dos crustáceos, os fiscais voltam ao mar e ficam entre 10 e 15 dias de operações. Para Rolfran, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do qual faz parte o Tamar, também poderia fiscalizar.