A apenas 22 km da famosa rota da Vila de Jericoacoara, no Ceará, um pequeno vilarejo no município de Acaraú tem se tornado referência na coleta seletiva e tratamento de resíduos recicláveis. A comunidade pescadores Barrinha de Baixo registrou, no último ano, 20% de recuperação de resíduos — o dobro da média nacional indicada no Sistema Nacional de Resíduos Sólidos (SNIR), que é de 9%.
Dezoito toneladas de resíduos recicláveis foram recuperadas, o equivalente a 11 caminhões de materiais que seriam destinados aos lixões. O feito resulta do projeto social Mais Vida Menos Lixo, implementado por lá em 2022.
"Aqui na região tínhamos um problema muito sério de lixo acumulado e uma cultura de descarte no meio-ambiente. Fomos entender como poderíamos mudar esse cenário, na prática", afirma Alexia Bergallo, sócia diretora de Impacto e Projeto do Grupo Carnaúba, holding de investidores que injeta mais de R$ 400 milhões na Praia do Preá, vila da cidade vizinha de Cruz.
A mobilização assinada pelo Instituto Camboa, do Grupo, conquistou 97% de adesão do público local e, atualmente, conta com um embaixador por rua. "A própria comunidade se fiscaliza", diz Bergallo. No entanto, o processo não se deu de imediato. Para alcançar o melhor índice de recuperação de resíduos do país, foram necessários meses de estudos e investimento.
Em parceria com a empresa social Visões da Terra, a campanha contou com um diagnóstico para solucionar os dilemas enfrentados na região, muito conhecida pela temporada de ventos — sempre fortes e constantes, capazes de chegar a 60 km/hora.
A costa litorânea cearense, tida como um dos melhores destinos do mundo para a prática de kitesurf, também lida com o fenômeno quando diz respeito ao descarte do lixo orgânico produzido em alto volume. "Se descartado de forma incorreta, é levado para as dunas, ruas e, até mesmo, para dentro das casas dos moradores", aponta Bergallo.
"Lidávamos com o mau cheiro constante", relata Benjamin, 30, um dos embaixadores do Mais Vida Menos Lixo e professor de matemática da escola pública municipal Expedito José De Freitas Eeief. "Antes, era comum queimar, enterrar [lixo] ou esperar a coleta geral do município, que não possui a separação de recicláveis e não é tão eficaz. Os mais velhos ainda são acostumados a jogar resíduos no mangue, então sabemos que essa consciência não é a curto prazo, mas uma luta constante", diz o educador.
As principais ações introduzidas no vilarejo foram; a implantação de lixeiras elevadas (para os descartes não serem levados pelo vento), a coleta feita porta a porta por meio da Cooperativa Coopbravo e oficinas de separação de recicláveis. Nesse quesito, o papel da educação pública teve bastante relevância para o movimento se espalhar.
"Quando me procuraram com a ideia, de imediato, me coloquei à disposição. Nós, enquanto educadores e moradores, sonhamos em ver a vila cada vez mais desenvolvida", compartilha Priscilla Carmem de Souza, 41, mais conhecida como Carminha. A diretora da escola Expedito José De Freitas Eeief diz que a aderência do projeto na Barrinha foi uma grata surpresa. "Imaginamos que seria mais difícil, mas acabou sendo rápido."
Localizado a poucos quilômetros de distância da Barrinha de Baixo, o Aeroporto Regional de Jericoacoara, inaugurado em 2017, tem aumentado cada vez mais o fluxo de turismo nos vilarejos de pescadores — que, por sua vez, se deparam com uma demanda crescente da pesca.
Na opinião do embaixador do projeto, a expansão regional é vista como uma faca de dois gumes. "Podemos fazer disso algo ótimo para a comunidade desde que não seja predatório. Sabemos que esse movimento se dá por um interesse econômico, mas que seja organizado e controlado, para não perdemos a nossa identidade de vila", analisa Benjamin.
"Nós estamos vendo a praia se tornar cada vez mais turística e até vergonhoso essa questão do lixo", complementa Carminha. "Até porque, vivemos em uma sociedade com muitos preconceitos. Pessoas de fora já imaginam chegar aqui e encontrar um ambiente sujo porque se trata de pessoas com condições financeiras mais desfavoráveis. É uma forma de mostrarmos diferente", ressalta.
"Nossa comunidade é mais simples, humilde, mas temos a capacidade de mantê-la limpa e bonita. Não só para receber turistas, mas, principalmente, para ser um ambiente aconchegante para nós vivermos nela", finaliza o professor.
GQ.GLOBO
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